quinta-feira, 10 de julho de 2008

E se Jesus comesse farinha seca?

José andava escabriado.
Maria tinha embuchado, mas o pobre coitado nem sequer ralou nela. Temendo pela vida, resolveu fugir pra não sentir o facão do pai da jovem. Antes disso, um cordel de anjos entrou na história.
" Ô, Zé! Se avexe não
O Sinhô tem um plano maior
Junte os trapos com Maria e jamais a deixe só."
E assim vingou Jesus no mundo. Era um bagurizinho singelo. Pele escura, queimada pelo sol. Olhos negros como a noite. Acostumado a beber leite de cabra, cresceu regado a muito camarão e arroz de cuxá. Mas também conheceu a dureza da vida sertaneja. Era um menino da roça , do arado. Manejava uma enxada como ninguém. Mas valia a pena, pois no final do dia uma piaba com farinha seca o esperava.
Enquanto crescia, se revoltava contra as misérias do sertão. Era tanta gente sofrida nesse chão, que não parava em casa. Saía por aí. Ajudando um aqui, outro acolá. Diziam que tinha uma mão santa. E não é que era mesmo? A fama correu pela região e vinha gente de longe só para vê-lo.
Já homem feito, resolveu escolher uns cabras bons para ajudá-lo. Tudo gente da terra e acostumados ao serviço. Apesar da pouca instrução, era habilidoso na palavra. Como todo nordestino, adorava contar causos. E neles mostrava todo o amor do Sinhô por esse povo sofrido.
Entretanto, O Tinhoso, O Coisa-Ruim tentou tirar Jesus do trabalho. Não deu nem pro cheiro. Jesus, o legítimo Filho do Santo, botou o Tinhoso para correr.
Eita, cabra arretado, esse Jesus!
E por isso, ele começou a incomodar.
Os coronéis da região, poderosos em dinheiro, resolveram calar Jesus. Sabiam que não dava pra comprá-lo. Decidiram passar a pexera nele, mas tudo dentro da lei.
Compraram o apoio do líder religioso da cidade e acusaram Jesus de "revolucionário", "revoltado".
E realmente, Jesus era isso. Ficava revoltado em ver tanta criança morrendo de fome, tanto político roubando dinheiro público, tanta miséria em uma terra tão produtiva. Mas, enfim, como você já sabe, ele foi preso, "julgado", condenado. Vitorioso sobre a morte, ressuscitou ao terceiro dia.
E pra alguns, virou ícone da cultura pop. Ficou loiro, adquiriu belos olhos claros, um perfil europeu estampado em vários lugares desde a idade média. Ficou "elitizado".
Tentaram tirar do Cristo o perfil de homem do povo e popularizar sua imagem burquesa.
Não deu certo.
Quer na região árida da Palestina, quer no sertão nordestino, Jesus sempre será um revolucionário, homem do povo que veio para todos. Sem distinção.
Ainda mais no Brasil. Tão cheio de fé. E, às vezes, na pessoa errada.

Gilberto Cardoso, professor de Língua Portuguesa.

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